Em casa da minha avó, à entrada, há um grande relógio mas não trabalha. Os ponteiros nunca se mexem. Uma vez, abri a porta do relógio para ver o que estava mal, mas não havia nada lá dentro, só um guarda-chuva, uma bengala e o retrato de um rei com um monóculo.
— É preciso compor o relógio – disse eu.
— Porquê? – perguntou o Avô. — Dá horas certas duas vezes por dia.
— Porquê? – perguntou a Avó. — Já tenho tantos relógios para darem horas.
Só há um relógio na casa da Avó, isso sabia eu bem.
— Onde é que eles estão? – perguntei eu.
— Quando ouço bater o meu coração, sinto os segundos a passar. Se as coisas que nos acontecem nos apaixonam e nos entusiasmam, passam mais depressa. Já deste conta? Os instantes são muito mais curtos do que os segundos. Um piscar de olhos e já passou.
Um minuto é o tempo necessário para pensar uma coisa qualquer e transformá-la em palavras. Em dois minutos, leio uma página do meu livro.
Uma hora é o tempo que leva a água do banho a arrefecer, o tempo que o teu avô precisa para ler o jornal…
…o tempo que levamos as duas para passearmos o cão.
De manhã, posso adivinhar as horas pela sombra que vai diminuindo junto da magnólia. Quando volta a alongar-se, sei que o dia está quase a terminar.